domingo, 3 de junho de 2012

LAMENTO


Essa é a mais dolorosa canção que compus até hoje. Quando decidi iniciar esse processo de composição, lembro que Memeu Cabral estava em casa terminando umas ilustrações, era de manhã e Maristela estava em casa preparando um almoço. Memeu estava em silêncio, concentrado, Maristela, da cozinha para o quintal, então sentei em frente ao papel e me lembrei de um acontecido comentado comigo quando passava por Ibotirama na Bahia. A história de uma mãe que perdera o filho nas águas do rio São Francisco. Depois de composta fui tocado por um sentimento de catarse gigante, desabafo mesmo, chorei muito e nunca mais retoquei essa música.
Mateus Sartori gravou essa música com um arranjo lindo em seu primeiro disco, TODOS OS CANTOS, para minha felicidade Memeu participa tocando percussão nessa faixa.
Andréa Murony, poeta amiga minha, falou certa vez: "essa dor, não é dor de ser cantada, não se canta dor de uma mãe que perde um filho!". Cantei e canto, mesmo que me doa, espero que me entenda.

LAMENTO
(Meyson)

é cruel esse Deus que impõe a fé
a quem molda sua face ao massapé
minha vida se foi no igarapé
essa é a sina em barrancas de sapé


corredeira levou minha certeza
a riqueza que eu tinha o rio levou
meu rebento se foi na corredeira
a beleza do mundo se enfeiou


se eu pudesse eu furava o ôi do rio
se eu pudesse eu lascava o azul do céu


se eu pudesse em ai
se eu pudesse em ôi


ôi-ôo...




Lamento
http://www.radio.uol.com.br/#/letras-e-musicas/mateus-sartori/lamento/2456334?cmpid=lkfb-rad-ms

PEDRA


Pedrão, parceiro e mestre, mora em Salvador, mas, mesmo assim arruma um tempo para visitar essa terra que também é dele. Esse tempo de distância alimenta uma saudade boa de sentir, saudade boêmia de vadiagem criativa. PEDRA é um samba que fiz para surpreender ele quando navegando nesse info-mar encontrasse a música e se soubesse querido por nós. Nós, que como afirmou Manoel Mesquita ao escutar o samba, comentou: "também arrobo, saudade, falta mesmo de um irmão! Falta dessas que só sente quem tem sangue nas veias e um coração." assim, verdadeiro. Pedro Abib, Pedro do Carmo, Pedrão... Evoé.


PEDRA
(Meyson)

capoeira mestre estou no Carmo
olha a marujada aqui passou

batucando na madeira
uma saudade matadeira
foi pedra de baleadeira
foi


na ladeira da São João descendo
encontrei Gunai, perguntou


onde andará o parceiro
esse sambista verdadeiro
filho-irmão desse terreiro
foi


saudade da tua presença e as conversas de samba
das rodas de reis e rainhas do nosso lugar
agora meu samba termina e eu preciso falar Pedrão
és pedra e sobre essa pedra o samba tem lar


és pedra e sobre essa pedra o samba tem lar!




  
Pedrão



sábado, 2 de junho de 2012

VOZ DO BARRO



Essa letra foi escrita durante o processo de ensaio do espetáculo QÜÊBA, A VOZ DOS NOSSOS ANCESTRAIS, do meu parceiro e amigo Régis D'Anton. Quando iniciamos os ensaios ele tinha o espetáculo quase todo composto e eu dividi parceria com ele em três canções. Nessa letra tentei encontrar os elementos que ele queria para cantar Nanã.  Está aí uma música que fala para dentro do tempo e uma poesia que busca a mais simples aproximação desse filho e sua mãe.

VOZ DO BARRO
(Régis D'Anton / Meyson)

mãe
o cântaro guardou de ti
o barro o puro sal
mãe


mãe
o sândalo soprou o beijo teu
no barro a cura, o sal
mãe


e a margem do rio canta ainda
na voz da lida
ladainha


pra lavar, pra lavar,
pra benzer, pra benzer,
vim nascer dessa voz


Régis D'Anton - Voz e Violão
Paulo Black - Contra Baixo
Eder Fersant - Rabeca




Nanã - (vale a pesquisa)

GUIA


Eu estava sentado na praça do Carmo, próximo ao Teatro Vasquez, em Mogi das Cruzes, esperando para me apresentar em espetáculo de teatro em que eu fazia a trilha, memorando minhas marcas depois de ter montado todos os instrumentos, passei a mão pelo terço que carrego no pescoço e nessa mesma hora os sinos do Carmo badalaram, virou música e essa é a letra desse meu Nuviar.

GUIA
(Meyson)

minha guia é de conta de rosa
escudo pra olhar de quebranto
sou devoto do espírito santo,
dos três reis, da bandeira e do manto


no meu canto a prece que tenho
violão meu rosário de pinho
quanto já me sonhei passarinho
pelas curvas do rio do destino


quando os sinos do Carmo anunciam
o ocaso se faz tão bonito
e eu me sento a cantar meus benditos
dentre tantos e outros contritos


mó de verso
nó de vida o amor
sé de sonho
fé sem régua o amor


foi mirando céu eu vi
eras astro, girassol, de beiral bem-te-vi.







COSMOGONIA


Tenho a felicidade de ter dividido o palco com esse cara, esse artista. Jorge Amaro. Sem palavras. Essa é a letra de uma das canções que compus para ele. Um dos primeiros artistas que conheci quando cheguei em Mogi das Cruzes.

COSMOGONIA
(Meyson)

respingos de tinta
no senho do ator
a máscara fina
redime o pintor


são gotas de aurora
caídas da tela
à esse mundo de histórias
sua tez de quimeras


do outro lado da rua
a musa se estende infinita
é a manhã na sua aventura que acontece


transcendes
o trilho, a pedra,
o trem e o tremor de quem fica
traduzes
um trecho do ocaso
e além ido o amor sem guarida


teu palco é o Largo do Carmo
teu salmo é o poema encrustado
no solo da tua cosmogonia





Jorge Amaro - Ator e Artísta Plástico


cosmogonia - é o termo que abrange as diversas lendas e teorias sobre a origem do universo de acordo com as religiões, mitologias e ciências através da história.


GRATIDÃO


Um dia, sem mais nem menos, me peguei a assoviar uma ciranda infantil que me visitava a memória e me emocionei. Uma cantiga que aprendi com minha mãe talvez, talvez não, e pensei cheio de gratidão que lindo acontecimento a vida me proporcionava, estar no caminho dessa história oral e ser portador de um presente valioso que me foi dado e que agora era meu. Sou grato.

GRATIDÃO
(Meyson)

quando acontecer de alembrar da canção que se perdeu
dentro do alguidar da memória que o tempo arrefeceu
será pra sorrir, pra chorar de alegria e coroar
todas as manhãs desse dia ao até quando durar


tenta te esforçar e assovia tamanha gratidão
volta um passo só e observa que lindo o teu sertão
tá no teu quintal, no varal, tá na voz de entardecer
nas mãos de ofertar, de fiar, pontear e entretecer


deixa de correr, pára o passo pra chuva te banhar
louva teu suor, lembra a força que tem teu maracá
olha esse amor, se alimenta é de amor que a gente dá
louva teu lugar, louva e canta pro teu povo dançar


clariô, iô-iô, clariô
ilu aô, meu amor ilu aô
põe teu pé junto ao meu pé pra dançar
zabumba eô, zabumba eá...


SEU MOÇO


Composta com referências de minhas infâncias. Música de figmentos de lembranças. Homenagem à minha ancestralidade próxima e a terra de meus pais. Nada mais e muito de mim.

SEU MOÇO
(Meyson)

seu moço
sou filho do norte
e cheguei nessa terra
trazendo na testa
as memórias de um povo
à esse quase quilombo
tenho o sangue nagô
e dos índios de lá


aprendi a voar
espiando meu pai
que corria descalço


hoje eu voo bem alto


o meu terno é de fé
trago um cravo na boca
e um mocó de rapé


ando muito à pé
pelo gosto de andar
por debaixo do sol
muito arriba do chão
se eu canto o sertão
é que meu coração
reza o agradecer


aprendi a cantar
espiando minha mãe
que dançava na chuva


meu rio fez tantas curvas



o meu terno é de fé
trago um cravo na boca
e um mocó de rapé


ando muito à pé
pelo gosto de andar
por debaixo do sol
muito arriba do chão
se eu canto o sertão
é que meu coração
reza o agradecer


Dina de Irraé e de Tuta
eu sou neto de Bené
o Sucuru sangrou num açude
onde vou lavar meu pé
o Cariri me chama é pelo nome de Sumé
onde o meu amor nasceu




mocó - esconderijo, local secreto onde se guarda algo ou alguém
rapé - tabaco moído para cheirar
Dina - minha avó materna também chamada pelos netos de Bobó
Irraé - Israel, meu avô materno, também chamado de Bobô
Tuta - minha bisavó materna, mãe de Bobó
Bené - Benedito de Oliveira, meu avô paterno
Sucuru - rio da cidade de Sumé-PB
Sumé - cidade do interior da Paraíba que me deu poesia e vida à canção
meu amor - Maristela